PERCURSO HISTÓRICO: DA SEGREGAÇÃO À INCLUSÃO
A deficiência como fenômeno humano
individual e social é determinada em parte pelas representações
socioculturais de cada comunidade, em diferentes gerações, e pelo nível
de desenvolvimento científico, político, ético e econômico dessa
sociedade.
As raízes históricas e culturais do fenômeno deficiência sempre
foram marcadas por forte rejeição, discriminação e preconceito. A
literatura da Roma Antiga relata que as crianças com deficiência,
nascidas até o princípio da era cristã, eram afogadas por serem
consideradas anormais e débeis. Na Grécia antiga, Platão relata no seu
livro A república que as crianças mal constituídas ou deficientes eram
sacrificadas ou escondidas pelo poder público.
A Idade Média conviveu com grandes contradições e ambivalência em
relação às atitudes e sentimentos frente à deficiência. Os deficientes
mentais, os loucos e criminosos eram considerados, muitas vezes,
possuídos pelo demônio, por isso eram excluídos da sociedade. Aos cegos e
surdos eram atribuídos dons e poderes sobrenaturais. No pensamento dos
filósofos cristãos, a crença também oscilava entre culpa e expiação de
pecados e, finalmente, com Santo Tomás de Aquino, a deficiência passa a
ser considerada como um fenômeno natural da espécie humana.
Essas contradições geravam ambivalência de sentimentos e atitudes
que iam da rejeição extrema, passando por piedade e comiseração e até a
superproteção, fazendo com que surgissem assim as ações de cunho social,
religioso e caritativo de proteção e cuidados como: hospitais, prisões e
abrigos.
No Renascimento, com o surgimento das ciências, as concepções
racionais começavam a buscar explicações para as causas das
deficiências, que foram consideradas do ponto de vista médico como
doenças de caráter hereditário, males físicos ou mentais.
Historicamente, a educação de pessoas com deficiência nasceu de
forma solitária, segregada e excludente. Ela surgiu com caráter
assistencialista e terapêutico pela preocupação de religiosos e
filantropos na Europa. Mais tarde, nos Estados Unidos e Canadá, surgiram
os primeiros programas para prover atenção e cuidados básicos de saúde,
alimentação, moradia e educação dessa parcela da população, até então
marginalizada e abandonada pela sociedade.
As primeiras iniciativas para a educação de pessoas com deficiências
surgiram na França em 1620, com a tentativa de Jean Paul Bonet de
ensinar mudos a falar. Foram fundadas em Paris as primeiras instituições
especializadas na educação de pessoas com deficiências: a educação de
surdos com o abade Charles M. Eppé, que criou o Método dos Sinais para a
comunicação com surdos. O Instituto Real dos Jovens Cegos, em Paris,
fundada por Valetin Hauy, em 1784, destinava-se a leitura tátil pelo
sistema de letras em relevo. Mais tarde, em 1834, Louis Braille criou o
sistema de leitura e escrita por caracteres em relevo, denominado
sistema braile, abrindo perspectivas de comunicação, educação e
independência para as pessoas cegas.
As primeiras iniciativas para educação de pessoas com deficiência
mental foram do médico Francês Jean Marc Itard, no século XIX, que
sistematizou um método de ensino inspirado na experiência do menino
selvagem de Ayeron (sul da França), que consistia na repetição de
experiências positivas. A primeira instituição pública para educação de
crianças com deficiência mental foi residencial, fundada pelo médico
francês Edward Seguin, que criou um método
educacional originado da neurofisiologia que consistia na utilização
de recursos didáticos com cores e música para despertar a motivação e o
interesse dessas crianças.
No Brasil, a primeira escola especial foi criada em 1854, o Imperial
Instituto de Meninos Cegos, no Rio de Janeiro e, em 1857, o Instituto
Imperial de Educação de Surdos, também no Rio de Janeiro. Sob influência
européia, eles propagaram o modelo de escola residencial para todo o
País.
Na segunda metade do século XIX e início do século vinte, as escolas
especiais proliferaram por toda Europa e Estados Unidos. A educação
especial surgiu sob o enfoque médico e clínico, com o método de ensino
para crianças com deficiência mental, criado pela médica italiana Maria
Montessori, no início do século XX. O método Montessori, inspirado na
rotina diária e na ação funcional, fundamenta-se na estimulação
sensório-perceptiva e auto-aprendizagem. Emprega rico e variado material
didático como: blocos, cubos e barras em madeira, objetos variados e
coloridos, material de encaixe e seriação, letras grandes em lixa e
outros. O método Montessori foi mundialmente difundido e até hoje é
utilizado, inclusive no Brasil, na educação pré-escolar de crianças sem
qualquer deficiência.
Já em meados do século XX surgem as associações de pais de pessoas
com deficiência física e mental na Europa e Estado Unidos. No Brasil,
são criadas a Pestalozzi e as APAES, destinadas à implantação de
programas de reabilitação e educação especial.
Em decorrência do avanço científico, as causas e origem das
deficiências foram investigadas e esclarecidas na segunda metade do
século XX, rompendo assim com a visão mítica e maniqueísta entre o bem e
o mal. Embora esses avanços tenham colaborado para a compreensão da
deficiência como condição humana e expressão da diversidade entre os
homens e natureza, os preconceitos continuam fortes - eles oscilam entre
a patologização ora inerente ao indivíduo, ora ao ambiente. Assim, a
idade contemporânea é marcada pelo paradigma da cientificidade, do
psicologismo, da valorização dos testes quantitativos, do treinamento
sensorial e motor.
A Declaração dos Direitos Humanos (1948) vem assegurar o direito de
todos à educação pública, gratuita. Essas idéias, reforçadas pelo
movimento mundial de integração de pessoas com deficiência, defendiam
oportunidades educacionais e sociais iguais para todos, contribuindo
fortemente para a criação dos serviços de educação especial e classes
especiais em escolas públicas no Brasil. Surge, dessa forma, uma a
política nacional de educação, ancorada na Lei Nº 4.024/61 (Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB), com a recomendação de
integrar, no sistema geral de ensino, a educação de excepcionais, como
eram chamadas na época as pessoas com
deficiências.
A política educacional brasileira na década de 80 teve como meta a
democratização mediante a expansão do ensino com oportunidade de acesso
das minorias à escola pública. A educação de crianças com deficiências
na escola comum ganhou força com o movimento nacional de defesa dos
direitos das pessoas com deficiências, que pregava a passagem do modelo
educacional segregado para integração de pessoas com deficiências na
escola, no trabalho e na comunidade, tendo em vista a igualdade e
justiça social.
Por meio desse mecanismo democrático, fundado na política de
descentralização das ações, são criados os conselhos estaduais,
municipais e associações de defesa dos direitos, integrando
representantes dos diferentes setores: saúde, educação, justiça e ação
social, trabalho, transportes e comunidade, tendo em vista a formulação
de política integrada de desenvolvimento humano.
No âmbito da educação infantil e especial, a democratização do
ensino traz consigo o conceito de educação como direito social, passando
do modelo médico do cuidar, do clínico e terapêutico para a abordagem
social e cultural que valoriza a diversidade como forma de aprendizagem,
de fortalecimento e modificação do ambiente escolar e da comunidade
para a promoção da aprendizagem. Nesse enfoque sociológico, o meio, o
ambiente inadequado e a falta de condições materiais são também fatores
produtores de limitação e determinantes do fracasso escolar.
Na esfera política e da descentralização do poder, as Diretrizes
Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, recomendam a
colaboração entre a União, Estados e Municípios para que seja
efetivamente exercitado no País o debate de idéias e o processo de
decisões acerca de como devem se estruturar os sistemas educacionais e
quais procedimentos de controle social serão desenvolvidos (BRASIL,
2001a).
Embora haja avanços na esfera conceitual, as representações míticas,
os preconceitos e estereótipos acerca das pessoas com deficiência
construídos culturalmente determinam e expressam nossas atitudes e ações
consciente ou inconscientemente no contexto familiar, escolar ou
comunitário. Essas barreiras atitudinais são, por vezes, evidenciadas
pelos mecanismos de negação das possibilidades dessas pessoas,
fortemente firmados no conceito de limitação e incapacidade, manifestos
pelo assistencialismo e paternalismo ainda vigentes em nosso meio. Esse é
o grande desafio que a educação inclusiva se propõe a romper...
Fonte: BRUNO, Marilda Moraes
Garcia. Saberes e Práticas da Inclusão na Educação Infantil :
introdução. Brasília: MEC/SEESP, 2006.