Ensinando a turma toda - as diferenças na escola.
Maria Teresa Eglér Mantoan
Universidade Estadual de Campinas - Unicamp
Faculdade de Educação - Departamento de Metodologia de Ensino
Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diversidade – LEPED/Unicamp
A sala de aula é o grande termômetro pelo qual se mede o grau de
febre das mudanças educacionais e é nesse micro espaço que as reformas
verdadeiramente se efetivam ou fracassam.
Embora a palavra de ordem seja reformar o nosso ensino, em todos os
seus níveis, o que verificamos quase sempre é que ainda predominam
formas de
organização do trabalho escolar que não se alinham na direção de uma
escola de qualidade para todos os alunos. Se queremos, de fato, reformar
o
ensino, a questão central a nosso ver é: como criar contextos
educacionais capazes de ensinar todos os alunos? Outras interrogações
derivam desta
questão principal, tais como: que práticas de ensino ajudam os
professores a ensinar todos os alunos de uma mesma turma, atingindo a
todos, apesar de
suas diferenças? De que qualidade e de que tipo de escolas está se
falando, quando nos referimos a essas reformas?
Neste texto vamos discutir essas questões, em torno das quais gravitam inúmeras propostas de renovação do ensino.
Recriar o modelo educativo.
Superar o sistema tradicional de ensinar e de aprender é um propósito
que temos de efetivar urgentemente, nas salas de aula. Recriar o modelo
educativo refere-se primeiramente ao que ensinamos aos alunos e a como
os ensinamos. Recriar esse modelo tem a ver com o que entendemos como
qualidade
de ensino. Há tempos que qualidade de ensino significa alunos com
cabeças cheias de datas, fórmulas, conceitos, todos justapostos,
lineares,
fragmentados, enfim, o reinado das disciplinas estáticas e com muito,
muito conteúdo.
Escolas consideradas de qualidade ainda são as que centram a
aprendizagem no conteúdo e que avaliam os alunos, quantificando
respostas padrão Seus
métodos e práticas preconizam a exposição oral, a repetição, a
memorização, os treinamentos, o livresco, a negação do valor do erro.
São aquelas
escolas que estão sempre preparando o aluno para o futuro: seja este a
próxima série a ser cursada, o nível de escolaridade posterior, o exame
vestibular!
Pensamos que uma escola se distingue por um ensino de qualidade,
capaz de formar dentro dos padrões requeridos por uma sociedade mais
evoluída e
humanitária, quando promove a interatividade entre os alunos, entre as
disciplinas curriculares, entre a escola e seu entorno, entre as
famílias e o
projeto escolar. Em suas práticas e métodos predominam as co-autorias de
saber, a experimentação, a cooperação, protagonizadas por alunos e
professores, pais e comunidade. Nessas escolas o que conta é o que os
alunos são capazes de aprender hoje e o que podemos lhes oferecer para
que se
desenvolvam em um ambiente rico e verdadeiramente estimulador de suas
potencialidades. Em uma palavra, uma escola de qualidade é um espaço
educativo
de construção de personalidades humanas, autônomas, críticas, uma
instituição em que todas as crianças aprendem a ser pessoas.
Nesses ambientes educativos ensinam-se os alunos a valorizar a
diferença, pela convivência com seus pares, pelo exemplo dos
professores, pelo
ensino ministrado nas salas de aula, pelo clima sócio-afetivo das
relações estabelecidas em toda a comunidade escolar - sem tensões
competitivas,
solidário, participativo, colaborativo. Escolas assim definidas são
contextos educacionais capazes de ensinar todos, numa mesma turma.
Ensinar a turma toda sem exclusões
Para ensinar a turma toda, parte-se da idéia de que as crianças
sempre sabem alguma coisa, de que todo educando pode aprender, mas a seu
modo e a
seu ritmo e de que o professor não deve desistir, mas nutrir uma elevada
expectativa em relação à capacidade de seus alunos conseguirem vencer
os
obstáculos escolares, apoiando-os na remoção das barreiras os impedem de
aprender. Entende-se que o sucesso da aprendizagem tem muito a ver com a
exploração dos talentos de cada um e que a aprendizagem centrada nas
possibilidades e não nas dificuldades dos alunos é uma abordagem
efetiva.
Em outras palavras, a proposta de se ensinar a turma toda,
independentemente das diferenças de cada um dos alunos, implica a
passagem de um ensino
transmissivo para uma pedagogia ativa, dialógica, interativa,
conexional, que se contrapõe a toda e qualquer visão individualizada,
hierárquica do
saber.
Para se ensinar a turma toda temos de propor atividades abertas,
diversificadas, isto é, atividades que possam ser abordadas por
diferentes níveis
de compreensão e de desempenho dos alunos e em que não se destaquem os
que sabem mais ou os que sabem menos, pois tudo o que essas atividades
propõem
pode ser disposto, segundo as possibilidades e interesses dos alunos que
optaram por desenvolvê-las. Debates, pesquisas, registros escritos,
falados,
observação; vivências são processos pedagógicos indicados para realizar
essas atividades, além, evidentemente, dos conteúdos das disciplinas,
que vão
sendo chamados espontaneamente a esclarecer os assuntos em estudo.
A avaliação do desenvolvimento dos alunos também muda, por coerência
com a prática referida anteriormente. Trata-se de uma análise do
percurso de
cada estudante, do ponto de vista da evolução de suas competências ao
resolver problemas de toda ordem e de seus progressos na organização do
trabalho
escolar; no tratamento das informações e na participação na vida social
da escola.
Criar contextos educacionais capazes de ensinar a todos os alunos
demanda uma reorganização do trabalho escolar. Tais contextos diferem
radicalmente do que é proposto pedagogicamente para atender às
especificidades dos educandos que não conseguem acompanhar seus colegas
de turma, por
problemas de toda ordem - da deficiência mental a outras dificuldades de
ordem relacional, motivacional, cultural. Sugerem-se nestes casos as
adaptações de currículos, a facilitação das atividades escolares, além
dos programas para reforçar as aprendizagens ou mesmo acelerá-las, em
casos de
maior defasagem idade/séries escolares.
A possibilidade de se ensinar a turma toda, sem discriminações e sem
adaptações pré definidas de métodos e práticas especializadas de ensino
advém,
portanto, de uma reestruturação do projeto pedagógico-escolar como um
todo e das reformulações que esse novo projeto exige da prática de
ensino, para
que esta se ajuste a novos parâmetros de ação educativa.
Enquanto os professores, persistirem em: - propor trabalhos
coletivos, que nada mais são do que atividades individuais feitas ao
mesmo tempo pela
turma - ensinar com ênfase nos conteúdos programáticos da série; -
adotar o livro didático, como ferramenta exclusiva de orientação dos
programas de
ensino; - servir-se da folha mimeografada ou xerocada para que todos os
alunos a preencham ao mesmo tempo, respondendo às mesmas perguntas, com
as
mesmas respostas; - propor projetos de trabalho totalmente desvinculados
das experiências e do interesse dos alunos, que só servem para
demonstrar uma
falsa adesão do professor às inovações; - organizar de modo fragmentado o
emprego do tempo do dia letivo para apresentar o conteúdo estanque
desta ou
daquela disciplina e outros expedientes de rotina das salas de aula. -
considerar a prova final, como decisiva na avaliação do rendimento
escolar do
aluno, não teremos condições de ensinar a turma toda, reconhecendo as diferenças na escola.
Estas práticas pedagógicas configuram um ensino para alguns alunos. E
para alguns, em alguns momentos, algumas disciplinas, atividades e
situações
de sala de aula. A exclusão então se manifesta amplamente, atingindo a
todos os alunos, em um ou em outro momento do dia escolar, porque sempre
existem os que não aceitam deliberadamente uma proposta de trabalho
escolar descontextualizada, sem sentido e atrativos intelectuais, porque
não
desafia, não atende a motivações pessoais. Essas atividades servem para
gerar indisciplina, competição, discriminação, preconceitos e para
categorizar
os bons e os maus alunos, por critérios infundados e irresponsáveis.
O professor que ensina a turma toda compartilha com seus alunos a
autoria dos conhecimentos produzidos em uma aula; trata-se de um
profissional que
reúne humildade com empenho e competência para ensinar, pois o falar e o
ditar não são mais os seus recursos didático-pedagógicos básicos. O
ensino
expositivo não cabe nas salas de aula em que todos interagem e
participam ativamente da construção de idéias, conceitos, sentimentos,
valores.
Um ponto crucial do ensinar a turma toda é reconhecer o outro em sua
inteligência e valorizá-lo, de acordo com seus saberes e com a sua
identidade
sócio-cultural. Sem estabelecer uma referência, mas investindo nas
diferenças e na riqueza de um ambiente que confronta significados,
desejos,
experiências, o professor deve garantir a liberdade e a diversidade das
opiniões dos alunos e nesse sentido ele é obrigado a abandonar crenças e
comportamentos que negam ao aluno a possibilidade de aprender a partir
do que sabe e chegar até onde é capaz de progredir.
O nosso desafio como educadores é reunir alunos de diferentes níveis,
diante de uma situação de ensino, em grupos desiguais, pois assim é que
se
passa na vida e é assim que a escola deve ensinar a ter sucesso na vida.
Temos pois de desconfiar das pedagogias que implementam dispositivos e
que se
nutrem de bons propósitos de ensinar, de preparar para a vida, mas que
favorecem ativamente os desfavorecidos. Ser competente na escola e na
vida
depende de tempo, e esse tempo é contado desde cedo, quando, nas salas
de aula, construímos conhecimento e aprendemos a mobilizá-lo em
situações as
mais diferentes, que exigem transposições entre o que é aprendido e o
que precisa ser resolvido com sucesso e na desigualdade dos níveis, nas
diferenças de opiniões, de enfoques, de humores, de sentimentos.
Essa transposição e a construção de competências, entendida como nos
define Perrenoud (1999): uma capacidade de agir eficazmente em um
determinado
tipo de situação, apoiada em conhecimentos, mas sem limitar-se a eles
(p.7) tem seu cenário ideal na escola que repete a vida, tal como ela é.
Talvez seja este o nosso maior mote: fazer da escola um lugar em que
cada um vai para aprender coisas úteis , para enfrentar e viver a vida
como um
ser livre, criativo e justo. Fazer da escola o local do encontro com o
outro, que é sempre e necessariamente diferente.
Referências bibliográficas.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 1978.
PERRENOUD, Philippe. Construir as competências desde a escola;trad. Bruno Charles Magne. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999.
PERRENOUD, Philippe. Construir as competências desde a escola;trad. Bruno Charles Magne. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999.
FONTE: http://www.bancodeescola.com/turma.htm
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